Como parte da 11ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, o Ooze Architects foi convidado a desenvolver o Água Paulista, um projeto para investigar o potencial de tratamento descentralizado e natural da água na cidade e suas comunidades informais, com base na experiência do projeto-mãe Água Carioca, vencedor do LafargeHolcim Award 2017 for Latin America (bronze).
O Água Paulista fundamentalmente gira em torno de como lidamos com a água e as águas residuais em áreas urbanas. Em vez de ter que recolhê-las e transportá-las de cada casa para uma estação de tratamento fora da cidade, as águas residuais são limpas e reutilizadas diretamente onde são produzidas, criando belos espaços públicos e uma conexão mais próxima com a água. Não há necessidade de construir infraestrutura em grande escala, como redes de esgotos longas e dispendiosas, nem de transportar águas sujas, e ocorre redução de 50% no volume de água limpa transportada. Chamamos essa abordagem holística de Água Carioca e Água Paulista porque fecha o circuito em escala local.
Com o apoio da Sabesp e da Creative Industries Fund da Holanda, o Ooze se propôs a se envolver com comunidades locais e especialistas e desenvolver uma série de projetos "provocativos" para estimular a discussão. Três eventos foram realizados em dezembro de 2017 em São Paulo: uma oficina comunitária, uma oficina com tomadores de decisão e uma apresentação pública, todos projetados para reunir conhecimentos e abordar questões-chave nas perspectivas de cima para baixo (top-down) e de baixo para cima (bottom-up).
Oficina de mapeamento comunitário
O primeiro workshop, com a comunidade do Sapé (Jaguaré), explorou o conceito de ciclos de água em circuito fechado. Um enorme mapa em grafite, estêncis e uma seleção de plantas de áreas alagáveis existentes foram usados para tornar o processo divertido e acessível, trazer a ‘tecnologia’ para o mundo real e permitir aos participantes expressarem ideias sobre seus locais de forma arquitetônica.
Com base na vibrante cultura do grafite em São Paulo, a artista local Madô Lopez desenhou um mapa do bairro em um muro público. Crianças e líderes comunitários usaram estêncis para adicionar informações ao mapa de forma colaborativa, marcando o que era importante para eles localmente e pensando criativamente sobre como o sistema poderia transformar sua vizinhança. A sessão foi facilitada por Eva Pfannes e Sylvain Hartenberg, do Ooze, Marcos L. Rosa (curador) e André Goldman (curador assistente), da 11ª Bienal de Arquitetura, e a botânica Maitê Pinheiro.
Os estêncis e a representação em larga escala do bairro trouxeram muita emoção, particularmente para as crianças, enquanto trabalhavam juntas na construção do mapa. Muitos transeuntes também pararam, curiosos sobre o que estava acontecendo, ou para compartilhar histórias sobre seu próprio canto do bairro. Todo o processo foi muito poderoso para a comunidade, colocando os locais que eram importantes para eles ‘no mapa’ (literalmente) e deixando algo permanente após o final da oficina.
Oficina dos tomadores de decisão
Em uma sessão de trabalho, os arquitetos do Ooze reuniram uma série de tomadores de decisão, técnicos e especialistas que trabalham na gestão de água na cidade.
Foram desenvolvidos materiais com foco nos aspectos econômicos e quantitativos do sistema na escala da cidade, usando o exemplo do Sapé para levantar as seguintes questões-chave: como iniciar o processo? Como mudar a metodologia, de centralizada para descentralizada? Como mudar a mentalidade da governança?
Entre os participantes, Carlos Menuchi e Hélio Rubens da Sabesp, Ana Carolina Daniel Morihama (Universidade de São Paulo), Maria Teresa Diniz (Governo do Estado/CDHU), Jairo Tardelli Filho, Stela Goldenstein e Maitê Bueno Pinheiro.
Apresentação pública
Nesta palestra pública, realizada na Vila Itororó junto à exposição Água Carioca (11ª Bienal), os arquitetos do Ooze apresentaram os trabalhos Água Carioca e Água Paulista, criando um fórum de reflexão e debate. Após comentários da botânica Maitê Pinheiro e da líder comunitária Janete Barbosa da Silva, houve um debate incluindo questões sobre os aspectos funcionais do sistema. O curador e moderador Marcos Rosa enfatizou como as qualidades arquitetônicas do projeto proporcionam impactos positivos além do saneamento – estética e utilidade do espaço público e incentivo ao engajamento pedagógico da comunidade.
A palestra teve um amplo conjunto de participantes, incluindo representantes da comunidade do Sapé, Sabesp e Consulado Holandês em São Paulo. No dia seguinte, o Ooze voltou ao Sapé para participar de uma ação de plantio com a comunidade.
Qual o próximo passo?
O entusiasmo pelo potencial do Água Paulista foi alto na comunidade e outras partes interessadas. O Ooze agora trabalha para desenvolver um projeto-piloto com a Sabesp e a Prefeitura de São Paulo. Isto permitirá que os aspectos técnicos sejam testados e ajustados e seja desenvolvido um modelo operacional / de gestão adequado. Conforme mostrado pelo piloto do Água Carioca no Sitio Roberto Burle Marx, este piloto será inspirador para os principais atores e os motivará a assumir o projeto na escala da cidade.
A história por trás do Água Carioca e Água Paulista
Como muitas cidades em todo o mundo, as cidades brasileiras lutam com o problema da água, nomeadamente poluição e escassez. Este é o caso das duas maiores cidades - São Paulo e Rio de Janeiro. No Rio, aproximadamente 20 mil litros de resíduos domésticos fluem para a Baía de Guanabara a cada segundo (INEA). Os esforços atuais apenas abordam parte do problema, são necessárias também soluções inovadoras, particularmente no que se refere ao tratamento de esgoto em comunidades de urbanização rápida e informal.
Este é o ponto de partida para o Água Paulista, como foi para o Água Carioca, que começou em 2012 no Rio de Janeiro com um período de pesquisa aprofundada na cidade. Convidados pelo município e apoiados pelo Creative Industries Fund, o OOZE investigou a situação da água nos assentamentos informais da cidade e o potencial de sistemas naturais de gestão da água, em pequena escala e descentralizados. Os resultados foram documentados em um filme e exibidos no Studio-X, Rio de Janeiro, na primavera de 2014.
Central para esses resultados foram quatro propostas de design e uma visão de cidade, passando por uma série de escalas. Juntos, os projetos demonstram a flexibilidade do sistema proposto e seu potencial para estratégias adaptativas a longo prazo.
A equipe do projeto continuou a desenvolver o projeto, implementando um piloto no Sítio Roberto Burle Marx em 2016 e realizando mais duas exposições. A partir dessa atividade, foram estabelecidas novas parcerias com comunidades e instituições públicas, como o Museu do Amanhã.
Um sistema descentralizado de tratamento de água
O sistema proposto utiliza três elementos escaláveis e adaptativos - coleta de água da chuva, fossas sépticas e áreas alagáveis construídas (wetlands). As áreas alagáveis são um sistema efetivo e comprovado em que os processos naturais eliminam os poluentes das águas residuais através da acumulação subterrânea do fluxo em corpos de água não estáveis. Isto garante poucas possibilidades de contato humano com as águas residuais, ausência de criadouros de mosquitos, desnecessidade de trabalhos de infraestrutura em larga escala (redes de esgotos longas e caras), eliminação do transporte de água suja e diminuição de 50% de transporte de água potável.
Essa mudança essencial de um modelo centralizado para um modelo descentralizado de infraestrutura urbana usa uma série de pequenas intervenções para fechar o ciclo localmente, restaurando os processos cíclicos da natureza. Os moradores se envolvem no processo de implementação das áreas alagáveis construídas em sua comunidade, criando um habitat saudável, bonito e limpo - reduzindo a ameaça da falta de água, bem como estabelecendo uma relação mais próxima com o meio natural.
Saiba mais em www.aguacarioca.org e www.ooze.eu.com